segunda-feira, 3 de maio de 2010

daqueles dias ENTREVISTA: Vera Egito

Ela já foi apresentada no post anterior e agora a entrevista na íntegra para vocês. E nossos sinceros agradecimentos a Vera, que aceitou tão gentilmente participar dessa entrevista pro blog e tá aí, uma pessoa meiga e ao mesmo tempo muito batalhadora e que pode - e deve - servir de exemplo para nós universitárias!



dd: Em ambos os curtas há uso reiterado de personagens centrais femininas. Esse é um traço auto-biográfico? Por quê?

V: Talvez seja um traço auto-biográfico na medida em que tudo que fazemos tem a ver com nossas trajetórias pessoais. Mas, certamente, não foi um ato deliberado no sentido de retratar a mulher no cinema. As personagens de “Espalhadas pelo Ar” e “Elo” foram, antes de qualquer coisa, personagens. Ações dramáticas que desencadeiam uma narrativa. Na verdade, se a gente pensar bem, é meio engraçada essa pergunta. Porque quando um diretor escreve e dirige um filme cujo protagonista é masculino, ninguém pergunta para ele “Por que você decidiu contar a história de um homem?”. Porque protagonistas masculinos são o normal e uma protagonista feminina ainda é anormal. Lembro que na época do desenvolvimento do roteiro do Espalhadas na ECA alguns colegas (meninos) apontavam como um problema os personagens masculinos serem coadjuvantes. Diziam que eles precisavam ser desenvolvidos. E eu me perguntava o porquê. O motivo era que um personagem masculino secundário e um feminino principal ainda causava estranheza no cinema. Mas minha decisão nunca foi política. As protagonistas são mulheres porque era a história delas que eu tinha para contar. Estou escrevendo meu primeiro longa agora e o protagonista, Leon, é um rapaz. Não sei explicar o motivo. Só sei que precisava falar dele. E, certamente, também em Leon há traços auto-biográficos. O que faz a gente se identificar com um personagem não é o gênero, mas sim sua trajetória heróica. Em Guerra nas Estrelas, por exemplo, eu sempre fui o Han Solo. Jamais quis ser a Lea.

dd: Você costuma retratar bastante a adolescência em seus filmes. Você acha que houve uma modificação de valores da geração atual para a sua?

V: Acho que os valores sim mudaram. Tendo a ver uma melhora já da minha geração para a de hoje. A questão da sexualidade, por exemplo, evoluiu bastante. Meninas e meninos têm cada vez mais abertura para experimentar e/ou assumir a homossexualidade. O acesso à arte e à informação também é incrível, fascinante. Lembro de com treze anos ir com meu irmão mais velho à Galeria do Rock procurar por discos que não encontrávamos em lugar nenhum. Hoje você pode conhecer os artistas mais undergrounds do mundo inteiro pelo myspace. Eu acho isso lindo. Sério mesmo. São tempos maravilhosos para ser jovem. Claro que há problemas. Mas eles sempre existem em todas as gerações. E é função do jovem vencê-los.

Fui para Cannes com a Nathalia Zemel, atriz do Elo. Na época ela estava com 18 anos. Desde as filmagens já éramos amigas. A Nathi tem acesso a um monte de coisas, é cheia de referências e idéias. Hoje está estudando moda. Tenho certeza de que um adolescente assim não seria possível vinte anos atrás. Conhecer as coisas era muito mais difícil. Debatê-las também.


dd: Como rolou sua vida acadêmica: você se envolveu em projetos extra-curriculares, fez freelances ou só se ateve aos trabalhos acadêmicos?

V: Me envolvi com tudo que pude. Fiz assistência de elétrica, de câmera, de direção. Meu primeiro filme foi um curta da Júlia Zakia, A Estória da Figueira. Fui segunda assistente de direção. Hoje a Jú é minha amiga. Amo o trabalho dela. Trabalhei também com vídeo institucional como assistente de direção e roteirista. Fiz algumas assistências de direção em publicidade também. Isso ainda na Faculdade. No terceiro ano fui segunda assistente de direção de O Cheiro do Ralo. Foi um divisor de águas. Uma experiência definidora. Acho que por isso fiz o curso em seis anos, em vez de quatro, que seria o normal. Mas valeu a pena. Esses trabalhos me fizeram chegar ao Projeto de Conclusão de Curso – o Espalhadas pelo Ar – com uma visão bastante diferente da dos colegas que nunca tinham tido contato com o mundo profissional. É muito importante ter essa disposição quando se é estudante ou recém-formado. Fazer tudo que aparece pela frente. Às vezes, no primeiro ano da faculdade, você já acha que é um gênio, que nasceu para ser diretor. Pode até ser que sim, mas há muito o que aprender até fazer seu próprio filme. E ralar como estagiário é essencial para entender como as coisas funcionam. Tem uma coisa de disciplina e hierarquia em cinema que você só entende quando trabalha em funções variadas.


dd: O que a vivência universitária trouxe para sua vida?

V: Trouxe tanta coisa. Outro dia fui a ECA buscar uma documentação para o meu DRT. Estava subindo as escadas e cruzei com uma turma saindo da aula de história do Calil. Aquilo me deu um aperto no coração. Eles eram tão novinhos… Claro que eu me vi ali alguns anos atrás. Foi um tempo muito intenso de descobertas. Digo descobertas relacionadas ao conhecimento mesmo. Todos os filmes a que assistíamos, os textos que tínhamos de escrever, os debates, os vídeos que fazíamos em grupo. Foi um turbilhão. Quando entrei na ECA achava que queria fazer cinema, mas não sabia exatamente como, em que função. Também não sabia o porquê disso. Saí da ECA com o Espalhadas estreando no Festival de Brasília. Saí diretora. A faculdade me formou intelectual e profissionalmente.


dd: Você acredita que a formação acadêmica seja imprescindível para ser bem-sucedido numa profissão? Foi para você?

V: Esse termo “bem-sucedido” é estranho, não é? Ser bem-sucedido é o que exatamente? Pode ser ganhar muito dinheiro com a sua profissão. Pode ser ter um cargo de comando. Na verdade, eu não acho que seja nada disso. Ser bem-sucedido é ser feliz. É estar em paz com o projeto que traçou para si mesmo e a maneira como consegue realizá-lo. E, nesse sentido, não importa se você fez faculdade ou não, se você ficou rico ou não, se você sai ou não sai nas revistas. Importa a satisfação que tem com sua produção e com seu caminho. A faculdade, como disse, foi importantíssima para a formação do meu pensamento cinematográfico, para minha capacidade de análise e intelecção e para fundamentar meu conhecimento formal. Acho que assim deve ser para todos. Há brilhantes cineastas que não estudaram cinema. Há brilhantes cineastas que sequer têm nível superior. As trajetórias são diversas. Mas, para mim, a ECA teve sim um papel fundamental.


dd: Para sua idade, você pode ser considerada bem-sucedida e reconhecida no seu ramo de atuação. Que parcela de importância você acredita que tenham o talento, o esforço e os contatos no meio?

V: Olha o “bem-sucedido” aí de novo. Mas eu acho que eu sou sim bem-sucedida especialmente a partir da minha concepção para o termo. Sou feliz com o que venho realizando e satisfeita com minha trajetória até aqui. Acho que é preciso tudo isso junto. Sendo que “contatos no meio” é o mais questionável. Eles podem te ajudar, te atrapalhar ou podem ser absolutamente indiferentes. Fiz dois curtas com financiamento do governo e, em ambos os casos, não conhecia e nem sabia quem eram as pessoas do júri. A mesma coisa aconteceu com o júri de Cannes e de outros Festivais em que os filmes estiveram. Depois tive a oportunidade de conhecer algumas dessas pessoas e percebi que elas, de fato, amavam os roteiros e filmes submetidos a seu crivo. E é isso o que conta. Falo isso para um monte de amigos que pensam em inscrever projetos em concursos e festivais mas acham que não vão ganhar: tentem. Os projetos que tive contemplados por prêmios e selecionados para festivais conquistaram seus lugares por si só. Existe um outro fator aí que não foi mencionado na pergunta e que é, esse sim, essencial: sorte. É preciso se esforçar, ser cdf, concentrado. É preciso ser considerado talentoso por alguns, pelo menos. E é preciso sorte para encontrar esses “alguns”. Quando conheci o trio de seleção da Semana da Crítica lá em Cannes eles vieram conversar comigo e dizer o quanto tinham gostado do Elo. Joséphine Lebard, em especial, era apaixonada pelo curta. Ela não sabia quem era Elis Regina e, mesmo assim, amou a pequena história. Fiquei pensando que tremenda sorte ter essa moça no meu caminho. Pois o corpo de um júri é algo absolutamente aleatório. Poderia ser outra pessoa que não se identificasse tanto com o filme e aí, as coisas poderiam ser diferentes. Sorte é bem importante. Mas você tem de estar pronto pra quando ela chegar. Se Joséphine estivesse no júri, exatamente como estava, mas minha equipe e eu não tivéssemos dado o duro que demos e feito o filme, não adiantaria nada essa sorte.


dd: Você acha que a mulher ainda sofre algum tipo de preconceito ou maiores dificuldades de inserção na área do Audiovisual?

V: Não, não acho. Já ouvi histórias de meninas que se sentiram desrespeitadas profissionalmente – na percepção delas - por conta de seu sexo. Eu nunca vivi uma situação assim. E acredito que, se aconteçam, seja por culpa de preconceitos pessoais que não representam uma classe. Fazer cinema é muito difícil. A cobrança é muito grande. Você tem de provar que pode a cada passo, a cada projeto. Nunca vi nenhum amigo (homem) tendo moleza. Todos trabalham muito duro. Acho mesmo que o cinema é uma das poucas áreas onde há uma meritocracia de fato. Minha família não é rica nem de artistas famosos. Não estudei em colégios influentes. Ainda assim, venho conquistando as coisas com o trabalho e tenho tido resultados. Acho que ser uma mulher nunca me atrapalhou e nem me ajudou em nada. Claro que, no geral, quando digo que faço cinema me perguntam se eu sou atriz. Dizer que sou diretora e roteirista soa um pouco forte para uma mocinha de rímel nos cílios. Mas não chega a provocar nenhuma reação negativa. No máximo um espanto: “Diretora? Jura?”. Pois é… juro.


dd: Com relação à moda, é perceptível que você tem um estilo próprio marcante. Você tem alguma inspiração ou referência? Você se preocupa com isso?

V: Me preocupo com isso sim. Até um tempo atrás não me preocupava tanto. Na época da faculdade eu era muito dura, não gastava muito dinheiro nem muito tempo com roupa. Sempre fui vaidosa, mas não tinha essa preocupação com um estilo. Quando comecei a trabalhar passei a me sentir mal-vestida em muitas situações e isso é horrível. O tênis e a camiseta velhos não funcionavam mais. Aos poucos fui ficando mais atenta a referências e estilos. Minha mãe sempre foi bem-vestida, sempre usou peças de muita personalidade. Acho que na adolescência eu me distanciei um pouco disso por rebeldia. O fato é que quando comecei a fazer filmes a moda se tornou um objeto para a busca de referências, um lugar onde nasciam conceitos estéticos interessantes. Passei a me informar mais. Junto vieram os primeiros trabalhos com cachê, viagens para fora do país, Festivais de Cinema. E meu guarda-roupas foi mudando. Há vários sites e blogs de moda nos meus bookmarks. Consulto com freqüência tanto para trabalhos quanto por diversão.

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Vera Egito

É interessante pensar como os acontecimentos da nossa vida são organizados. Em 2008, eu e a Mari trabalhamos na monitoria do 19º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, nós duas na Cinemateca Brasileira. Lembro-me que alguns filmes nos marcaram muito e foram, por muito tempo, assunto de discussões. Entre eles "Os filmes que não fiz" de Gilberto Scarpa,"Café com leite" de Daniel Ribeiro e "Espalhadas pelo Ar" de Vera Egito. "Espalhadas pelo Ar" especialmente nos marcou pela delicadeza com que construía a conexão entra as duas personagens e a preocupação estética das cenas, muito bem acabadas. Além disso, no dia de fechamento do festival, sobe ao palco para representar o filme sua diretora, muito jovem, e que se destacava do todo por ser uma jovem mulher, com uma franjinha e um casaco bordô que denunciavam seu estilo.
Curiosamente em 2009, agora como público do Festival de Curtas, "trombamos" de novo com Vera em "Elo". Inevitavelmente, encontramos semelhanças com "Espalhadas" - conexão de personagens distintas, a protagonista feminina, uma fotografia delicada. Mais curiosamente ainda, ao ler os créditos de "À Deriva", numa segunda-feira de Agosto em que fomos ao cinema, eis que nos deparamos novamente com Vera Egito como Co-Roteirista do filme. Era, simplesmente, uma coincidência que nos perseguia e que nos tornava, ao mesmo tempo, como que mais íntimas de sua trajetória no cinema nacional.
Enfim, há mais ou menos 3 semanas, acompanhando William Hinestrosa da Associação Cultural Kinoforum a uma visita à Unicamp, Vera Egito bateu um papo conosco, alunos de Midialogia, a respeito de seus filmes e, mais especificamente, da produção de curtas-metragens. Nada mais surpreendente para nós do que nos encontrar com uma figura que já pairava por nossas discussões e que, ao mesmo tempo, serve de inspiração para jovens comunicadoras: mulher, jovem, recém-formada, estilosa, batalhadora e que já colhe os frutos de tanta dedicação!
Vera gentilmente concedeu uma entrevista para o Daqueles Dias, que serve não só para mostrar um pouco mais sobre seu trabalho, como também, quem sabe, de fonte de inspiração e estímulo para quem pensa em seguir na área do Audiovisual - ou em qualquer outra área, né? Já que estudo e dedicação podem contagiar qualquer um! ;)

Vera Egito tem 27 anos e é cineasta formada pela ECA-USP. Teve seus dois curtas, "Espalhadas pelo Ar" (seu Trabalho de Conclusão de Curso em Audiovisual) e "Elo", exibidos em 2009 na 62ª edição de Semana de Crítica de Cannes. Pela primeira vez na história do festival foram exibidos duas produções do mesmo autor.




**Confiram a entrevista na íntegra no próximo post!

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